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O caldeirão das boas intenções

Atualizado: 19 de abr. de 2019


REVOLUÇÃO DO POUQUINHO - 25/08/2017


A última edição do Globo Repórter (25 de agosto) trouxe como tema Propósito. Assunto urgente, boa iniciativa, porém bastante incompleta ao distorcer de forma perigosa o tema, tratando apenas empreendedores alternativos como os únicos exemplos de pessoas que sabem o real significado de Propósito. Sugere-se, com a matéria, que são eles os únicos que possuem um 'por quê' na vida, mesmo que, para isso, exponham-se inocentemente à questões trabalhistas.


Um dos cases retratados, por exemplo, mostrou um hostel que emprega funcionários em troca de hospedagem. Um pouco menos de inocência é suficiente para perceber que tal iniciativa incorre no mesmo erro - com um pouco mais de 'felicidade', é claro - da publicitária que recentemente ganhou uma tremenda dor de cabeça ao divulgar anúncio oferecendo "moradia em seu apê bacana, em troca de serviços de babá para os filhos", sofrendo duramente não apenas o julgamento do 'tribunal' das redes sociais, como também tendo que prestar contas ao Ministério do Trabalho. Ou seja: a felicidade do hostel corre o risco de durar até o dia que um dos funcionários sentir que 'o combinado ficou caro' e procurar orientação.

Um assunto riquíssimo, que poderia ser esclarecedor, ganhou mais uma abordagem simplista diante da complexidade do mundo e da diversidade de perfis, modelos econômicos, comportamentos, relações de trabalho e de consumo.

Ao sugerir que apenas formatos alternativos de trabalho e remuneração - como o caso da permuta trabalho versus moradia - ou trabalho relacionado diretamente a causas sócio-ambientais ou ainda trabalhos de matriz artesanal são os únicos lugares onde seja possível trabalhar com Propósito, reforça-se um estereótipo perigoso que, na contrapartida, acaba demonizando outros formatos e relações.


Talvez um nome mais adequado para a matéria fosse 'Empreendedores Alternativos'. Como apresentado, dá a entender que profissionais que hoje trabalham numa organização mais estruturada - na indústria, por exemplo - não sejam capazes de o fazer norteados por valores, nem de ter uma missão clara, nunca vindo a saber o que possa significar Propósito. Fica no ar a sugestão que, nessa 'nova' ordem, caso você trabalhe de terno ou sinta-se confortável em um tailleur, você é uma pessoa triste, sem propósito, pra não dizer abominável. Afinal, você não para tudo às 16h de sexta pra reunir a galera no quintal da 'firma', para o lual que sacramenta seu modelo de 'felicidade' no trabalho.


Tratar como 'a correta' aquela que é a opção de alguns - também legítima, diga-se de passagem - é um erro que joga o assunto em um abstracionismo infantil, replicando leituras rasas de 'velhas novidades' que apenas repetem tendências já surgidas em outras épocas, ajustadas aos seus respectivos contextos macroeconômicos, como o movimento hippie dos anos 70.


Mas, caso você queira seguir à risca a receita de felicidade desta e outras matérias para saber o que é Propósito, a dica é: largue tudo, torne-se independente - preferencialmente com um 'sponsor' - e dê um duro danado não para crescer, mas para manter-se pequeno e informal para o resto da vida. Pois vai bastar você crescer um pouco para começar a enfrentar os mesmos problemas que as outras empresas, vistas como os 'infernos' nessa história. enfrentam hoje: uma legislação trabalhista ultrapassada, uma tributação excessiva, burocracia e um infindável número de entraves, que só com muito Propósito é possível de encarar.


Seria interessante para a Rede Globo e demais veículos que queiram abordar o tema, brindar sua audiência com uma reportagem que também mostrasse este outro lado. Com mais simplicidade - o que não significa ser simplista, nem simplório - para não jogar um assunto rico de ser explorado em um caldeirão morno de boas intenções.



Por Eduardo Zugaib - Profissional de Comunicação e Desenvolvimento Humano


Cláudio Cassola é especialista em segurança e saúde do trabalho e diretor técnico da MAIS SEGURANÇA - segurança do trabalho

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